Montreal,
Quebec. Uma versão quatro anos mais jovem minha, viajando sozinha pela primeira
vez. Levava em uma mão o mapa e a outra agarrava à barra do metrô. Fazia pouco
tempo que havia começado a andar de transporte público. Em São Paulo, tinha de
cabeça as estações e pontos do cinema, da escola e da casa da Gabi. E era só
para onde eu ia. A trajetória decorada, previsível, me gerava um estranho conforto,
frio de diálogo e fiel em seu caminho. Como a ilusória intimidade de sorrir
para o cobrador de rosto conhecido, sem esperar por resposta.
Dessa
vez era diferente. Foi por um impulso de sair de "casa", de tomar ar
das pessoas com quem havia sido designada a morar, que me vi com aquele mapa na
mão. Pela primeira vez não sabia as paradas de cabeça. Pela primeira vez não
sabia pelo o que esperar ao girar a catraca. Pela primeira vez eu não sabia de
nada.
Os
primeiros quinze minutos foram de pânico, confesso. Mas aos poucos, de tanto analisar
e especular histórias sobre os rostos ao meu redor, fui me acostumando,
forçando familiaridade. Escolhi um nome aleatório, o que me soava mais bonito.
Place-des-arts? Place-des-arts. Esse mesmo.
"Station
Place-des-arts, atterrissage sur le côté droit du train"
Subi
as escadas. Já não sentia mais a insegurança de antes. Sabia muito bem o que eu
estava fazendo ali. Era quase como uma missão antropológica, estava num safari
urbano desconhecido. Minha primeira experiência de deriva consciente.
Meu
andar ritmava um propósito: poderia muito bem estar indo à livraria, ou à
farmácia da esquina. Era determinado. Eu acompanhava meus pés depois dos
próprios passos, seguindo a sua vontade. Vontade esta que perseguia outros pés,
outros rostos, outras paisagens.
Eu
vi poesia nas calçadas, nas conversas paralelas, nas pequenas narrativas que ia
encontrando pelo caminho. Criava minhas próprias versões da realidade, ora inventando
histórias que logo desapareciam em algum cruzamento; ora procurando motivos
para entrar em lugares com fachadas simpáticas. Me deixava levar por alguma
presença interessante, me deixava ser flâneur, me deixava. E por lá mesmo
fiquei.
trilha sonora: múm - green grass of tunnel
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