25.12.14

los angeles: quatro

devagar, quase parando, a gente vai...
sentindo entre as linhas, sentindo as texturas, deixando levar.

é bom finalmente tirar o relógio
parece que a gente ganha tempo
ganha peso

mesmo assim, fica ainda a minha cabeça dura, de vício nos prazos, nos pontos finais, me cobrando constância
o tempo todo
o tempo, de novo

é duro, é doído ficar pelo entremeio
ora de olho no lado de fora, no contexto, nas pessoas
ora sem olho, sem nada

sei lá,
vou deixar aproveitar, pelo menos um pouco
as suspenções
os espaços
antes de alguém me puxar pra baixo

e eu ter que voltar de vez


trilha: your name, jt royster

los angeles: os primeiros três dias

Ainda tá tudo muito embaçado.
Sabe quando você chega em casa cansado, dorme a tarde e acorda com alguma conversa pela metade? Aquela sensação semi-lúcida de pegar um trem já em movimento, mas sem muito saber da hora, ou sequer do dia?
É... Peguei um avião atropelando os prazos e finalmentes de muitas coisas.
Deixei todos os pontos em São Paulo, e cheguei como quem acorda no sofá da sala, entre a TV alta e o sonho ainda fresco.
Esses primeiros dias foram bem acomodados. Senti como que em casa, alguns anos mais novas. Revi e conheci muita gente querida, que me levou pela mão pra todo canto com toda a gentileza do mundo; de portas e braços abertos para tudo o que vinha de mim, me oferecendo muito mais do que eu podia lhes dar.
Tá tudo ensolarado. Sol de verão da Califórnia. Sem verão.
Ainda sim...
Me falta é sentir essa cidade um pouco sozinha.
Sem o cinto de segurança de ninguém.
Entrar num ônibus e fazer parte. Pertencer ao movimento, entender o ritmo daqui.
Tirei o dia para planejar... encarei a tela o computador durante horas; não deu muito certo.
É, acho que no fim vou ter que atropelar de novo.
Sair descalça pra sentir um pouco mais desse chão duro.
Ver se assim eu acordo de vez.





(vídeo com texto adaptado)
trilha: mesita, endless build into nothing
26.8.14

reflexão sobre: à une passante, Charles Baudelaire



À une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!
Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Un éclair... puis la nuit! — Fugitive beauté
Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!

— Charles Baudelaire



A uma passante


A rua ensurdecedora ao redor de mim agoniza.
Longa, delgada, em grande luto, dor majestosa,
Uma mulher passa, de uma mão faustosa,
Soerguendo-se, balançando o festão e a bainha;
Ágil e nobre, com sua perna de estátua.
Eu, embevecido, inquieto como um extravagante,
Em seus olhos, o céu lívido onde se oculta o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que destrói.
Um clarão... depois a noite! - Beleza fugidia
Cujo olhar me faz subitamente renascer,
Não te verei senão na eternidade?
Alhures; bem longe daqui! Muito tarde! Jamais talvez!
Pois ignoro onde tu foste, tu não sabes onde vou,
Ah se eu a amasse, ah se eu a conhecesse!

— trad. Mário Antonio Frangiotti




Apaixonar-se pelo inapreensível, pela imagem frágil de uma presença que nos atravessa, em anônimo, na multidão. E o deixar ir faz parte, porque é justamente a incompletude que não nos permite esgotar a qualidade do sentimento. 

22.8.14

poesia transeunte


Montreal, Quebec. Uma versão quatro anos mais jovem minha, viajando sozinha pela primeira vez. Levava em uma mão o mapa e a outra agarrava à barra do metrô. Fazia pouco tempo que havia começado a andar de transporte público. Em São Paulo, tinha de cabeça as estações e pontos do cinema, da escola e da casa da Gabi. E era só para onde eu ia. A trajetória decorada, previsível, me gerava um estranho conforto, frio de diálogo e fiel em seu caminho. Como a ilusória intimidade de sorrir para o cobrador de rosto conhecido, sem esperar por resposta.
Dessa vez era diferente. Foi por um impulso de sair de "casa", de tomar ar das pessoas com quem havia sido designada a morar, que me vi com aquele mapa na mão. Pela primeira vez não sabia as paradas de cabeça. Pela primeira vez não sabia pelo o que esperar ao girar a catraca. Pela primeira vez eu não sabia de nada.
Os primeiros quinze minutos foram de pânico, confesso. Mas aos poucos, de tanto analisar e especular histórias sobre os rostos ao meu redor, fui me acostumando, forçando familiaridade. Escolhi um nome aleatório, o que me soava mais bonito. Place-des-arts? Place-des-arts. Esse mesmo.
"Station Place-des-arts, atterrissage sur le côté droit du train"
Subi as escadas. Já não sentia mais a insegurança de antes. Sabia muito bem o que eu estava fazendo ali. Era quase como uma missão antropológica, estava num safari urbano desconhecido. Minha primeira experiência de deriva consciente.
Meu andar ritmava um propósito: poderia muito bem estar indo à livraria, ou à farmácia da esquina. Era determinado. Eu acompanhava meus pés depois dos próprios passos, seguindo a sua vontade. Vontade esta que perseguia outros pés, outros rostos, outras paisagens. 
Eu vi poesia nas calçadas, nas conversas paralelas, nas pequenas narrativas que ia encontrando pelo caminho. Criava minhas próprias versões da realidade, ora inventando histórias que logo desapareciam em algum cruzamento; ora procurando motivos para entrar em lugares com fachadas simpáticas. Me deixava levar por alguma presença interessante, me deixava ser flâneur, me deixava. E por lá mesmo fiquei. 


“The crowd is his element, as the air is that of birds and water of fishes. His passion and his profession are to become one flesh with the crowd. For the perfect flâneur, for the passionate spectator, it is an immense joy to set up house in the heart of the multitude, amid the ebb and flow of movement, in the midst of the fugitive and the infinite. To be away from home and yet to feel oneself everywhere at home; to see the world, to be at the centre of the world, and yet to remain hidden from the world – impartial natures which the tongue can but clumsily define." 
Charles Baudelaire 

trilha sonora: múm - green grass of tunnel 
27.7.14

28 jul 2014

Dear July,

You're almost over and I still don't know what to do you with you. It's scary, you know? To have a whole month to yourself, to anything you want to do. And that's the thing, I don't know, I'm still not sure. I can't really decide what to do with so much freedom, so I plan. I plan ways I should be, things  I should do, and somehow it makes me feel less anxious about not knowing. And maybe those things will never even happend, but having them pushed a little bit more into the future, makes me feel like I still have time to figure things out before anything happens. Anyways.. it's winter here in Brazil, and I just love the gloom of winter mornings. As if I was in Lars Von Trier  movie, I imagine everything in super slow motion, and I wait. I wait for that moment when everything clicks and you just know. I wait for something I'm still not sure about. I give it time to grow. I give you time, july.


19.7.14

sobre a melancolia das manhãs de inverno

   É como uma quase-ação. Aqueles segundos sonolentos que antecedem um impulso pelo fazer, mas não chega a ser o suficiente. Olhar fixamente para alguma coisa esperando que ela se faça, se desfaça por si só. E nada. Nada sequer muda de lugar. Apesar do pesar, do peso mesmo, que é tão grande que faz som, ruído de interferência. O fluxo constante de poluição visual e sonora, que ronda, te observa, que pesa. E você continua aqui, no quase, no entremeio.
  Parece até que as coisas gritam. O jornal deixado de lado na mesa, as chaves, a porta. Eles gritam, te chamam, te sacodem. E de que adianta? Podem fazer ou não fazer, cumprir ou não cumprir, mas de que servirá? No fim são só rodeios que voltam ao mesmo lugar. Discursos imperativos, tão afiados que atravessam. Eu levanto e sirvo mais café. Mais café para acordar, para ter energia, para ter proveito. Para mostrar proveito.
   E no sábado seguinte estarei na mesma mesa, com o mesmo jornal por ler, as chaves, a porta. O mesmo enquadro que espera alguma ação, e eu servirei mais café.

Trilha Sonhora: Oskar Schuster - Les Îles Féroé
27.6.14

circo dos discursos circulares

     Eu afirmo, reafirmo, e o faço novamente, só para não fazê-lo de verdade. Eu sei do que eu preciso, eu sei o que na minha cabeça é o mais prudente, se é que posso colocar assim, mas muitas vezes não ponho em prática. "A comunicação é essencial" eu sempre imponho, mas quem disse que eu me comunico? Eu participo do circo de histórias arredondadas que tornam as coisas mais bonitas, mais aceitáveis, mas e o feio, o afiado, o dolorido? Nunca estão no meu discurso. Quer dizer, não quando se referem a mim. 
    O mais duro é saber de tudo isso e não fazer nada a respeito. Queria eu ter o poder de entender os meus problemas e saber resolvê-los ali na hora, mas é como se naquele exato momento eu me sentisse tão ameaçada a ponto de esquecer tudo o que acho sensato. Pause e eu tateio pela resposta mais fácil de engolir, a que seja mais esférica, que me faça parecer melhor. E aí eu entro na mesma lógica midiática de valores projetados (teoria de Morin); mediocridade, conformismo, acriticismo e conservadorismo, seguidos à risca. 
   Mediocridade ao superficializar a situação, sem julgamento dialético algum (como ao que me referi naquele post com a trilha do Jack Johnson). Conformismo ao entregar uma mensagem tão lapidada, tão mastigada, a ponto de não haver outra reação por parte do meu receptor se não a de se conformar. Acriticismo, pois com o diálogo tão redondo não há como argumentar, eu te jogo no loop da minha montanha russa (mais uma vez, a mesma do post do Jack), em que você perde todo o seu poder crítico de juízo (nos termos adornianos). E por fim, e talvez mais valorizado entre todos os outros, vem o conservadorismo: eu necessariamente me saio imparcial no fim da história, pareço bem para todos os lados, afinal, o problema já não era nem meu. 
   Pronto, resolvido, falei, falei, falei, e não disse nada. Não comuniquei o que realmente estava pensando de tudo aquilo. E será que eu sequer lembro de como se identifica isso? Será que eu sei o que eu realmente sinto, ou só o que eu quero sentir? É como se meu cérebro tivesse se acostumado a resolver as equações colocando outras por cima, num movimento de abstração eterna das formas sólidas; as falas só se embaraçam mais e, de camada em camada, perdem totalmente o sentido que um dia já tiveram. Eu passo da fração pro decimal, decimal para a fração, e nem sei do que se trata: no fim das contas, são só números, não? 
   Numerosas sim foram as vezes que eu coloquei a comunicação como essencial. Tamanha ironia que eu, estudante da tal comunicação, até agora não havia entendido de verdade que pratico todo dia o que eu critico. Critico no papel, na prova, no trabalho, o mesmo discurso que reproduzo sem nem perceber. Corpo-mídia se faz cada vez mais claro, e Debord ainda mais genial: a sociedade do espetáculo produz e reproduz seu conteúdo fantástico, todo feito de imagens, projetando e se apropriando de formas feitas de aparência. 

Trilha sonora: Anthem - Emancipator (Twoven Downtempo remix) 

26.2.14

EXP. 3 - 3h15; uma crônica que todo intercambista já viveu


3h15. Era o meu primeiro dia sozinha. 

Logo cedinho, vi pelo fresta da porta a luz da cozinha ser acesa. Se ouvia as colheres enchendo de leite com cereal, serem levadas à boca e depois recolocadas na porcelana; posicionadas na mesma mesa em que, mais tarde, estaria um bilhete escrito especialmente para mim, desejando uma boa manhã. Esperei o barulho da chave virando para me levantar. Na ponta dos pés levei meu corpo em passos inseguros para explorar. A luz ainda apagada de receio. Inspirações e expirações calculadas para não fazer barulho. Cruzei o corredor. 
Tudo tão contornado, recheado de uma história que não era minha. Estranho. Vacilei a perna quando, um pouco abaixo da canela, senti um serzinho ainda desconhecido me dar boas vindas. Saltitante, assim como as expressões dos personagens nas fotos que me observavam. Sem nome. Tentava ligar os rostos vazios com as histórias que me contaram no carro quando viemos do aeroporto. Tava tão escuro. A tia era a loira ou aquela de blusa verde? E a filha, qual? 

Esqueci onde ficava o pão que eles tinham me mostrado. Vasculhei um pouco pelos armários, recolocando as embalagens com os rótulos virados para o mesmo lado que deixaram. Achei, mas e a manteiga?
Algumas horas depois, louça lavada, peguei o tal do bilhete. 3h20 estariam de volta. Pontuais, antecipados ou atrasados? Relógio marcando, ritmado. Eram 3h15.